Por Orlando Cartagena Lagar
O dia 12 de outubro é um dia de dor e de traição na história
da vila de Annobón, uma localidade que, 56 anos depois da sua suposta
“independência”, continua a viver as consequências de uma colonização encoberta
sob o regime da Guiné Equatorial. Este dia marca o início de uma nova fase de
opressão, já não sob uma potência europeia directa, mas sob um neocolonialismo
administrado pela Guiné Equatorial, um país que foi artificialmente criado por
interesses externos e concebido para perpetuar o domínio sobre Annobón.
Colonização: a ferramenta da pilhagem ocidental
Para compreender a tragédia de Annobón, temos de recuar aos
tempos em que as potências europeias viam África não apenas como uma fonte de
riqueza natural, mas como um pilar económico fundamental para os seus impérios.
O Ocidente, impulsionado pela sua ambição e desejo de expansão, despojou o
continente africano dos seus recursos, da sua cultura e da sua humanidade. A
colonização tornou-se uma arma brutal de controlo e exploração, apresentando-se
como uma missão “civilizadora” que encobriu as mais atrozes violações dos
direitos humanos. O que se seguiu foi uma longa história de sofrimento:
massacres, trabalhos forçados e um genocídio cultural que esmagou povos
inteiros.
Este sistema de opressão não só desumanizou os africanos,
mas tentou erradicar qualquer possibilidade de o povo do continente se
desenvolver política, económica e culturalmente. A colonização não foi apenas
física, foi também uma tentativa deliberada de privar o homem negro da sua
capacidade de autodeterminação.
O falso processo de descolonização
Com o passar do tempo, os crimes cometidos pelas potências
coloniais foram revelados e aqueles que cometeram esses abusos foram forçados a
redefinir a sua estratégia. Já não podiam continuar a oprimir de forma tão
flagrante, então começou o processo de descolonização. Contudo, este processo,
longe de ser uma verdadeira libertação, foi uma imposição neocolonial
disfarçada. Os territórios africanos não foram libertados, mas receberam
independência condicional controlada pelas mesmas estruturas de poder que os
escravizaram.
Neste contexto, a Espanha, sob a ditadura de Franco, não
queria perder o controlo económico das suas colónias africanas, especialmente
numa altura em que os seus territórios ultramarinos produziam riquezas
importantes, como o cacau, o café e a madeira. A solução foi criar uma
independência artificial, uma “Guiné Equatorial” que unisse territórios
díspares como Río Muni, Fernando Poo e Annobón. Esta independência não foi
concebida para libertar o povo, mas para manter o controlo económico e político
na região.
A traição de Annobón: uma falsa independência
O caso de Annobón foi particularmente trágico. Apesar do seu
pequeno tamanho e isolamento geográfico (apenas 17 km²), Annobón foi forçado a
fazer parte de uma nação com a qual não partilhava história, cultura ou laços
étnicos. Enquanto Río Muni, o território continental, e Fernando Poo, com uma
área muito maior, foram os principais beneficiários do controle neocolonial,
Annobón foi relegado ao esquecimento e submetido a um novo tipo de escravidão:
a dependência forçada da Guiné Equatorial.
A Espanha de Franco, ao conceder a independência à Guiné
Equatorial, cometeu uma traição histórica ao povo de Annobón. Em vez de
permitir a sua autodeterminação e descolonização, submeteu a ilha a uma nova forma
de colonialismo, agora sob a administração de um país criado por acordos
ocultos com as elites Fang do interior do Río Muni. Este pacto entre Espanha e
as elites Fang nada mais fez do que perpetuar um sistema de dominação em que os
territórios insulares, especialmente Annobón, foram oprimidos e explorados.
A invasão Fang e a neocolonização de Annobón
Ao longo dos anos, o governo da Guiné Equatorial, sob a
ditadura de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, tornou-se uma célula de terror.
Os Fang, grupo maioritário, começaram a deslocar as populações das ilhas,
invadindo territórios como Annobón e Fernando Poo, onde impuseram o seu
controlo através da violência, saques e repressão. A pequena e isolada
população de Annobón foi vítima de um lento mas constante plano de extermínio,
em que a falta de infra-estruturas, a militarização e o abandono absoluto
serviram para quebrar a resistência da ilha.
O Río Muni, com os seus 26.000 km², emergiu como centro do
poder, enquanto Annobón, com apenas 17 km², foi invadido por forças externas
que procuravam controlar os seus escassos recursos e submeter o seu povo a uma
opressão sistemática. Esta colonização interna, promovida pelas elites da Guiné
Equatorial, fez com que o povo anobonese vivesse como escravo na sua própria terra.
56 anos depois: a luta pela descolonização
Hoje, 56 anos depois daquela traição histórica, Annobón
continua lutando pela sua verdadeira independência. O processo de
descolonização nunca foi concluído para a ilha, que foi integrada à força numa
entidade política que a ignora, oprime e explora. A luta pela liberdade de
Annobón é, em última análise, uma luta contra o neocolonialismo, contra uma
estrutura de poder que continua a manter a ilha numa situação de dependência e
escravatura.
A data de 12 de Outubro não só marca um dia de reflexão para
o povo anobonês, mas é um apelo à comunidade internacional para que reconheça a
injustiça histórica que este povo sofreu. A descolonização de Annobón continua
a ser uma questão pendente na história de África e, até que a justiça seja
feita, a luta pela liberdade e autodeterminação do povo anoboneso não cessará.
Ambô Legadu, Ambô Legadu, Ambô Legadu.
by Imprensa Pálida
