O antigo Presidente de São Tomé e Príncipe, Fradique de
Menezes, defende que o presidencialismo é uma solução para o país. A questão
foi recentemente colocado pelo primeiro-ministro, Patrice Trovoada, admitindo
propor a mudança para um regime presidencialista antes das eleições gerais de
2026. Fradique de Menezes considera que o presidencialismo pode clarificar
alguns conflitos, quando a instabilidade política e a elevada dívida externa
continuam a adiar o desenvolvimento do país.
RFI: O senhor mostra-se preocupado com aquilo que considera
ser a " dívida externa terrível" de São Tomé e Príncipe e diz que o
país, após a independência, não soube fazer as escolhas certas. O que o leva a
fazer estas afirmações?
Fradique de Menezes, ex-chefe de Estado de São Tomé e
Príncipe: Os países que tinham meios para sobreviverem tiveram a sua
independência e conseguiram singrar . São Tomé e Príncipe quis fazer o mesmo,
mas não nos preocupamos muito com o sector económico para a sustentabilidade da
soberania, da independência do país.
Quando assumi [o cargo de chefe de Estado], em 2001, o país
já tinha uma dívida de quase 400 milhões. Negociamos essa dívida e conseguimos
o perdão. Hoje, estamos outra vez mergulhados numa dívida que ronda os 400
milhões de dólares.
Mas como é que se explica esse endividamento?
O país não produz, não exporta, não tem os mecanismos para
procurar meios financeiros adequados. Não soubemos desenvolver outros sectores
que nos pudessem ajudar economicamente.
Mas refere-se a que sectores?
Poderíamos tentar -como falamos tanto sobre as
possibilidades deste país- transformar São Tomé e Príncipe num "Hub"
para acolher os grupos económicos. Grupos esses que pudessem implemetar uma
série de políticas destinadas ao comércio aqui da zona geográfica onde nos
encontramos. Esta é uma das possibilidades de um país insular como o nosso,
porque o consumo interno é muito fraco.
Mesmo se tivéssemos um poder de compra elevado, não seria
suficiente para poder fazer funcionar as indústrias locais. Porém não nos
preocupamos muito com isso e nem fizemos os devidos investimentos no sector
agrícola, nas chamadas roças.
O país continua a comprar comida, a comprar medicamentos...
Compramos quase tudo. Produzimos, evidentemente, aqueles
produtos agrícolas tradicionais como a banana, a fruta-pão, a mandioca e o
milho. Mas muito pouco, até porque muitas vezes não encontramos esses produtos
no mercado.
Isto tudo faz com que hoje, com uma população que não cessa
de crescer, uma juventude ávida em ter acesso à educação - como é normal- não
consegue ter bolsas de estudo. Ainda continuamos a receber uma ou outra bolsa
de estudos, em alguns países, mas tem sido muito difícil.
Faltam medicamentos no mercado, peças para fazerem funcionar
o aparelho produtivo. Hoje podemos dizer que não adoptamos uma política
económica ao mesmo nível da política social e política de discussão
[diplomacia]. Porque aí somos bons.
Desde a entrada em funções, em Dezembro de 2022, que o
Governo são-tomense tem estado a negociar um programa de crédito alargado com o
Fundo Monetário Internacional- FMI- num entendimento difícil. Em Setembro, o
primeiro-ministro Patrice Trovoada disse que esperava que as negociações
evoluíssem. O que espera destas negociações?
Segundo as informações que o senhor primeiro-ministro nos
trouxe, no seu regresso há dias ao país, parece que as negociações estão a
seguir bem e que há uma solução para a assinatura de um acordo. É evidente que
esse acordo é importante para São Tomé e Príncipe, um acordo para continuar a
ter acesso ao mercado financeiro e para que os possíveis investidores possam
continuar a vir ao país.
Defende ser necessário um apoio das Nações Unidas para a
definição de um programa para transformar o país. Que programa seria esse? Um
programa que acabasse com a dependência do país?
Exactamente. Penso na ilha das Seicheles, um pequeno Estado,
em termos de tamanho São Tomé e Príncipe vem logo a seguir. As coisas que eles
fazem. É extraordinário. Se nós próprios não conseguimos, com todos os estudos
que fizemos [fazer avançar o país] temos que pedir apoio às instituições. Eu
pensei nas Nações Unidas, ou outras instituições que possam ajudar bilateralmente.
No passado, Portugal também já tentou, fez vários estudos
sobre vários sectores. A França também fez e os Estados Unidos. O problema é
aceitar aplicar [aquilo que os países nos aconselham].
Mas o problema também não é muitas vezes que o Estado seja o
maior empregador num país tão pequeno?
Aí está o âmago da questão. O facto de o Estado estar
envolvido na gestão económica do país faz com que isto aconteça. O Governo está
repleto de funcionários e cada um centraliza também o poder.
Por exemplo, o código de investimentos. O investidor chega
ao país e ele lê o código de investimentos e vai assinar um acordo com o
Governo para investir num sector qualquer. Quando chega o primeiro navio com
mercadoria, começa logo a ter problemas na alfândega porque o funcionário diz
que desconhece completamente esse código. O próprio investidor vai ter de
arranjar as cópias exemplares para ir discutir com o director das alfândegas...
Está a dizer que há demasiada burocracia?
Muita burocracia e a falta de abertura da pessoa para ter
mentalidade que de facto o país precisa que as coisas avancem.
O primeiro- ministro de São Tomé e Príncipe, Patrice
Trovoada, afirmou querer alterar a Constituição e adoptar o presidencialismo.
Acha que o presidencialismo é a solução para São Tomé e Príncipe?
Eu acho que é uma solução para São Tomé e Príncipe, pelo
menos no que diz respeito [à gestão] dos conflitos.
Neste momento, por exemplo, está aí no ar a hipótese de um
conflito entre o senhor Presidente da República, Carlos Vila Nova, e o senhor primeiro-ministro,
Patrice Trovoada. Isto porque o senhor Presidente da República acaba de vetar
cinco leis para o sector judiciário que foram aprovados pela Assembleia
Nacional e propostas pelo Governo. O senhor primeiro-ministro, ao chegar ao
país, fez uma declaração que não foi lá muito abonatória em relação à pessoa do
senhor Presidente da República.
[ Patrice Trovoada defendeu que "tecnicamente, é um
veto político, porque se há um problema de constitucionalidade existem prazos
para que se possa fazer uma fiscalização preventiva para que o Tribunal
Constitucional, que é o único que julga questões de constitucionalidade,
pudesse dizer se é constitucional ou não é constitucional"].
O senhor considera que um regime presidencialista iria
esclarecer este tipo de situações?
Ao menos neste aspecto, porque nesse regime o Presidente da
República seria também o chefe do Governo. Também seria importante que
conseguíssemos, de facto, que o sector judiciário desempenhasse o seu papel
verdadeiro. O regime presidencial é importantíssimo, porque os países têm esse
regime presidencial não têm esses problemas.
O advogado de são-tomense, Mike João, apresentou uma
denúncia no Ministério Público contra o primeiro-ministro Patrice Trovoada,
assegurando que tem provas "muito contundentes e claras" de que este
participou na execução de quatro cidadãos no quartel militar em 2022. O
primeiro- ministro são-tomense já veio dizer que espera que o advogado seja
condenado por difamação. O senhor já foi Chefe de Estado de São Tomé e
Príncipe Que comentário lhe merece esta situação?
É mais um dos nossos problemas. O advogado de defesa
faz o seu papel e o primeiro-ministro nega as acusações, dizendo que não tem
nada a ver com isso.Tentei evitar fazer comentários sobre esta polémica. Dizer
que o senhor primeiro-ministro está envolvido nisto ou não? Francamente, não
sei. Não tenho informações claras, nem precisas sobre isso.
Mas está preocupado com esta situação?
Sim, preocupo-me. Alguns políticos querem tirar algum
dividendo desta situação, não há dúvida nenhuma que isto continua a ser um dos
assuntos muito falados no país. Ao mesmo tempo, esta situação não vem
beneficiar a imagem de São Tomé e Príncipe, sobretudo se pensarmos no sector
económico e nos investimentos. O investidor nem quer ouvir falar destas coisas.
São Tomé e Príncipe preside actualmente à presidência
rotativa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa-CPLP.
Recentemente, o secretário-executivo, Zacarias da Costa- mostrou-se preocupado
com aquilo que está a acontecer na Guiné-Bissau. Acredita que neste momento São
Tomé e Príncipe se devia posicionar?
Com certeza. Não se compreende aquilo que está se a passar
na Guiné-Bissau. Quando eu era Presidente da República dizia-se, na altura, que
existiam dois países na CPLP -Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe- onde havia
instabilidade política constante.
Em São Tomé e Príncipe tentou-se tudo para evitar as
situações de instabilidade, mas a Guiné-Bissau continua instável. O actual
Presidente, Umaro Sissoco Emabaló, tem um feitio, cada um tem o seu feitio, mas
o problema é a falta de respeito pela Constituição.
Por:Neidy Ribeiro
